Sermão das Sete Palavras
Introdução
As sete últimas
palavras de Cristo na cruz, para rasgar o véu do templo (cf. Mt 27,51), e nos
colocar diante do Pai, nos transmitem um testemunho que passa pelo caminho da
dor, do abandono, das impossibilidades, da misericórdia e do perdão. No alto da
cruz está um homem que sofre nossas dores e nelas – nas dores mais agudas da
alma humana – se faz amigo das horas de solidão, das dificuldades dos apertos e
sofrimentos.
Muitas e
muitas vezes nos sentimos perdidos, solitários, abandonados dentro de nossa
própria casa, de nosso trabalho e de nossa vida. Um abandono que nos leva a
tristeza de não enxergar esperanças. Jesus, na solitária cruz, não deixa que a
amargura lhe tome o coração, mas, ao contrário, mesmo sentido as dores de sua
Paixão nos abre um caminho para fora de nosso isolamento.
Um caminho que
passa do interior para o outro, que passa da solidão para o encontro, da dor
para a alegria e nos ensina que toda a redenção começa no coração do homem e o
leva até o Pai. Jesus saiu de sua solidão para um encontro com seu Pai e neste
encontro nos conduziu consigo até o alto.
E nós? Que
papel nos cabe neste caminho? Quais os passos que devemos dar? Se percebermos,
temos cada vez menos conseguido lidar com várias coisas que nos afligem: os
homens cada vez menos conseguem lidar com suas questões interiores, com suas
dores, com suas vidas; as mulheres cada vez mais audaciosas nos seu ambientes
de trabalho são cada vez menos donas de seu interior e vez por outra se
submetem a situações que as colocam num vale de solidão; os jovens, cada vez
mais ávidos de uma liberdade sempre acabam se entregando à ciranda da vida que
não os deixam senão com uma imensa culpa e, mergulhados na tristeza de seus
atos, vivem uma vida que carece de sentido e expectativas.
Essa é a dor
da nossa cruz: a incompreensão, o abandono, a pobreza interior que amesquinha o
ser humano, a dolorosa cruz que nos marca a vida interior...
É nesse
momento que Jesus, no alto da Cruz nos da sete passos para sair das agitações
interiores para uma liberdade que nos permite um encontro com Deus e nele
descobrirmos um amigo interior que nos faz sair da solidão para a Amizade.
1ª PALAVRA: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem”.
Não sabemos o
que fazemos? Será que poderíamos tomar para nós essa palavra? Quando nossos
atos não correspondem ao amor a que nos propusemos, quando nossa hipocrisia não
nos permite a auto crítica que nos tempera em nossos arrazoados, muitas vezes
cheios das melhores intenções, mas eivados de arrogância e tirania? À primeira vista o modo como nos
cobramos, rígidos e implacáveis, não nos permite ser receptores deste perdão.
Mas ali no
cenário do calvário as palavras dirigidas aos algozes de Cristo ressoam por
toda a terra em todo tempo incluindo a cada um de nós na história, até hoje!
Se nossa
escola de vida nos permite a dureza, a radicalidade, a implacabilidade conosco
e com os outros, a escola da cruz oferece a lição do perdão. Não somos
perdoados pelo quanto merecemos – nós, por nós mesmos não o merecemos. Somos
perdoados pelo quanto Cristo nos amou e se é esse amor a medida do perdão,
Cristo, que ama sem limites oferece um perdão que é infinito.
Por isso
também nós devemos nos perdoar. Quero dizer que cada um deve perdoar a si mesmo
antes de tentar perdoar aos outros. Você pode hoje olhar para dentro de si
mesmo, como quem afrouxa o nó da forca do seu próprio juízo e sentir-se
presente diante de um juiz mais misericordioso que nós mesmos.
Quando nos
aproximamos de Jesus Crucificado para ouvir de seus lábios, sôfregos pelas
dores que o tocam o corpo e a alma as palavras de perdão, devemos lembrar que
somos, enquanto seres humanos, imperfeitos e limitados e, se isso nos causar a
dor, temos alguém que, como um companheiro de viagem, um amigo, nos fez
perceber que nossa perfeição esta exatamente centrada na capacidade de sermos
melhores a cada dia e não de nos reconhecermos prontos e acabados... um homem
que não tem espaços abertos para o crescimento é um homem morto, mas aquele que
na solidão de seus sofrimentos consegue encontrar uma porta aberta para ser
melhor, isto é, para transcender... um amigo foi a nossa frente e nos ensinou a
não parar na cruz da auto punição, mas ir até a ressurreição de nossa
consciência: Pai, perdoai-nos por que não sabemos que o amor é melhor do que a
culpa.
2ª PALAVRA: “Em verdade te digo:
hoje estarás comigo no Paraíso”
Uma promessa?
Não, amigos não fazem promessas! Amigos realizam! Jesus ao olhar para o ladrão
não o escolhe por ter sido uma pessoa com uma trajetória de vida sem erros, não
o elege por ser irrepreensível, não o faz amigo por ser melhor do que todos os
outros. Esses critérios não são os critérios do Cristo, mas os nossos.
Somos assim
nas nossas escolhas: vemos primeiro o exterior, vemos primeiro os benefícios,
escolhemos primeiramente aqueles que nos possibilitam quaisquer crescimentos. Mas
quando fazemos isso não nos colocamos abaixo? Quando discriminamos alguém, o
colocamos em grau inferior, mas quando supervalorizamos alguém, NOS COLOCAMOS
em grau inferior.
Jesus da o
maior dom, o da felicidade, isto é, o céu, a um ladrão!
Também não
reside a bondade de Cristo no fato de ser o seu “novo amigo” um ladrão. Não é o
fato de ser minoria que faz de alguém privilegiado. No mundo de hoje, vemos a
ditadura das minorias que viram no fato de serem, de algum modo, discriminados
um direito a, como quem paga com a mesma moeda, discriminar. O valor do ser
humano reside nele mesmo enquanto tem algo de divino em si.
Jesus da o
maior dom, o da felicidade, isto é, o céu, a alguém que se sabia limitado e
culpado, mas que acreditou na misericórdia inocente e ilimitada de Deus.
Também nós nos
encontramos hoje, crucificados pelo tempo presente: nossos conflitos interiores
são nossos algozes; nossa solidão, o açoites; nossa impaciência, os cravos e
nossas culpas a lança que perfura o nosso peito com sentimentos de dor e
rejeição por nós mesmos e por outros.
Mas também
hoje estas palavras nos atraem para Cristo, como ele mesmo havia prometido (Cf.
Jo 12, 20-33). Mesmo neste mundo, ao encontrarmos Jesus, nosso amigo
interior que está sempre conosco, podemos viver à porta do paraíso, como diz o
salmista: “Verdadeiramente, um dia em vossos átrios
vale mais que milhares fora deles. Prefiro deter-me no limiar da casa de meu
Deus a morar nas tendas dos pecadores”. (Sl 83,11).
Só alguém que
se sente perdoado, pode perdoar e por isso, a comunidade de amigos é a Igreja do
Perdão onde se poder oferecer e receber a graça da salvação todos os dias no
próximo, na palavra e no pão eucarístico sinal de reconciliação com Deus.
A palavra que
ouvimos de Cristo nos dá a graça de estar no limiar do céu, como comunidade
eclesial, viver na alegria do perdão e da amizade.
3ª PALAVRA: "Mulher, eis aí o teu filho. Filho eis aí a tua
Mãe!"
Neste caminho
de salvação que nos tira do egoísmo e nos coloca na fraternidade e na amizade,
um rosto nos é dado: Maria, a Virgem do Amor Perfeito. Sofrendo no coração e na
alma o que Cristo sofria no seu corpo, Maria é a primeira aluna da escola do
amor.
A dor de ver
seu filho não a torna avessa ao mundo, mas o acolhe com amor como seus filhos,
no Cristo. Ai está tua mãe, pronta a te acolher, não deverias tu também, de
prontidão acolhe-la? E acolhendo-a como Mãe do Amor Perfeito, acolher também a
todos os teus irmãos?
Em Maria o
exemplo do amor que supera a dor, o amor que supera a mágoa, o amor que acolhe!
Filho, eu te
digo hoje, como Cristo no alto da cruz: Eis ai o exemplo de tua mãe!
4ª PALAVRA: "Elói, Elói, lammá sabactáni? - Meus Deus, meus Deus, por
que me abandonastes?"
Nos abandonos
do teu coração um eco destas palavras deve trazer a tua vida um sopro de
esperança. Quando a solidão é o ultimo grito da dor que nos fez sentir
abandonados, Cristo é nosso companheiro. Ele sofre em nós.
A ressurreição
é um trabalho de dentro para fora, feito a duas mãos: a mão de Cristo, que nos
ajuda a plantar nosso jardim interior e a tua própria mão, já que você é o
único capaz de mudar tu história. Cristo está te chamando a se abandonar na
amizade dele para que nos teus abandonos interiores ele seja o teu amigo,
aquele que te acompanha.
5ª PALAVRA: "Tenho Sede!"
Que sede temos
hoje? Sede do mundo? Mas se buscamos água em cisterna rachadas (Jr 2, 13) só
encontraremos a aridez da vida. Bem disse o Senhor à Samaritana “Todo aquele que beber desta água tornará a ter sede, mas o que
beber da água que eu lhe der jamais terá sede. Mas a água que eu lhe der virá a
ser nele fonte de água, que jorrará até a vida eterna”. (Jo 4,13-14)
No episódio da
Samaritana, bem como no alto da cruz, Jesus mostra a sede pela salvação de seus
amigos nos ensinando a ter uma dupla sede: a da salvação de nossos amigos, isto
é da elevação de cada um deles até a felicidade – e para isso devemos nos
esforçar para que sejam cada vez melhores e não nos acostumar com as
mediocridades mundanas; e a sede de Deus, por que nossa alma estará sempre
inquieta até repousar em Cristo (Santo Agostinho, Confissões).
Na sede de
Cristo pela salvação de seus amigos, deve também estar a sede de felicidade que
nos toca, por que ser feliz é estar com Deus, devemos querer para todos a mesma
felicidade que livra da culpa, que nos tira do isolamento, que nos leva ao
encontro com Deus e com nosso próximo. Pelo caminho da amizade encontrar a
santidade e nela o dom da felicidade.
6ª PALAVRA: "Tudo está consumado!"
Depois de
passarmos pelas dores de nossas próprias culpas aprendendo a perdoar nossas
faltas e as dos outros. Depois de recuperar o limiar da esperança e buscar a
força da solidariedade, veremos consumada uma Igreja de Fiéis. Uma verdadeira
Igreja de amigos que, chamados desde toda a eternidade, encontram-se na
fraternidade e no amor a finalidade para a qual Deus nos congregou como amigo:
testemunhar aqui a possibilidade do céu pelo amor a si mesmo, ao Próximo e a Deus.
Um caminho que
não se faz sozinho. Um caminho que se faz em comunidade: Eu, o Cristo e meu
Irmão... nesta amizade Deus se revela próximo e salvador.
7ª PALAVRA: "Pai, em tuas mãos entrego o meu Espírito!"
Só tuas mãos
senhor, chagadas e abertas, podem nos livrar do egoísmo e da dor. Só tuas mãos,
Senhor, podem nos livrar da incredulidade pela qual o mundo passa. Colocamos
nossa vida em tuas mãos por que não há lugar melhor para nós e assim, por tuas
mãos chagadas, em cada missa, em cada comunhão, como amigos e companheiros de
caminhadas somos entregues ao Pai.
No teu
Espírito, o nosso espírito. Na tua santidade a nossa comunidade para que
recebamos um novo Pentecostes de amor que nos reanime a fé.