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terça-feira, 9 de outubro de 2012

Escolha e escolhas num labirinto de opções


“Respondeu-lhe o Senhor: “Marta, Marta, andas muito inquieta e te preocupas com muitas coisas; no entanto, uma só coisa é necessária; Maria escolheu a melhor parte, que lhe não será tirada.”
(Lc 10,41)

Escolha e escolhas num labirinto de opções

Um site: milhões de opções a um clique; Uma TV: milhões de canais à sua escolha; uma vida: milhões de caminhos à sua frente. E depois? O que escolher?  No fio do novelo que puxamos se encontram milhares de opções de vida e, sem sombra de dúvidas, todos desejam a melhor parte e, empenham-se nisso. Mas nossas escolhas têm de fato nos levado à melhor parte? Na ânsia de ter nossos impulsos satisfeitos recebemos o prêmio de Midas e aquilo que, no início, parecia um bem inominável, logo se torna um peso insuportável.
Na mitologia grega, o Rei Midas havia recolhido Sileno que perambulava bêbado e depois de trata-lo com hospitalidade, Baco concedeu-lhe que escolhesse a recompensa que quisesse. Ávido e egoísta, Midas pediu a Baco o poder de transformar em ouro tudo o que suas mãos tocassem – o que lhe foi concedido. Satisfeito, Midas se maravilhava com o fato de que os galhos que tocava pelo caminho se tornassem ouro. Mas logo percebeu que sua escolha redundaria em desgraça. Pedindo que lhe preparassem um banquete, notou que não poderia comer nem beber o que transformara em ouro depois de ter sido tocado por aquilo que julgara ser um bem no início, mas que se transformara em uma maldição no final.
Dotados da capacidade de eleição, acabamos desperdiçando as possibilidades de escolha e, perdidos no meio do vórtice de opções, fazemos escolhas das quais nos arrependemos, mais cedo ou mais tarde. E se o fio que puxarmos da nossa vida nos conduz no caminho da avidez e do egoísmo, certamente o resultado final será sempre insuportável mesmo que tenha sido aprazível no início.
Para evitarmos o prêmio de Midas é necessário nos colocarmos diante das possibilidades e considerar o bem e o mal nas opções apresentadas. É um primeiro passo que raramente é dado por agirmos no impulso e não considerarmos os motivos.
Aliás, as palavras impulso e motivo vêm bem a calhar. Enquanto o impulso supõe uma força externa que, de repente, nos projeta para algo, uma necessidade imperiosa, muitas vezes irresistível, que pode levar à prática de atos descontrolados ou irrefletidos o motivo é interno, determina ou causa alguma coisa, é a finalidade com que se faz alguma coisa.
Um carro quando precisa de pessoas para dar impulso, está quebrado. Mas quando funciona como deve, o combustível produz a força que o move. Um carro bom funciona pelo motor, uma pessoa boa funciona por motivos e não impulsos. Só quando consideramos bem a escolha e o que nos move a ela, conseguimos atingir o bem que desejamos e evitar o mal que não queremos.
A escolha do mal é um corredor sem saída no labirinto das opções e isso, por si só, já é compreensível: o mal tira a liberdade, escraviza e o resultado é a infelicidade. O que no início parecia uma boa escolha, por causa de nossos impulsos (e o egoísmo é o primeiro deles) se torna enfadonho e insuportável.
Por isso um segundo passo é ter cuidado na escolha do bem, porque não basta escolher o bem, é necessário escolher entre os bens a melhor parte. Saber escolher o bem é a arte de viver feliz e no labirinto de opções, um fio deve conduzir as escolhas: O Bem que nos torna livres. Cada vez que escolhemos o Bem nos tornamos mais livres e quanto mais livres mais escolheremos o Bem, recolhendo a felicidade de cada ato.
Consiste, por tanto, a felicidade, na escolha do Bem maior. Não era um mal o cuidado das tarefas da casa e dos afazeres do tempo, mas Marta, diante do Cristo, escolhe um bem menor e por isso é censurada. Quando escolhemos o bem menor o resultado é sempre o mesmo: inquietação e preocupação. É necessário cuidado para não esbarrar nas paredes depois de ter evitado os becos do mal no labirinto de opções, pois a melhor parte nunca nos será tirada.
Entre as escolhas e a Escolha, a liberdade é o fio que nos guia para fora do labirinto do egoísmo do Ávido Midas porque diante do Eterno, o efêmero fica insignificante e a melhor parte é reconhecida pela razão e querida pela vontade nos levando à liberdade e em consequência, à Felicidade.

Pe. Fabiano de Carvalho Silva

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Uma palavra: VIDA!


Uma palavra: VIDA!

“O ministro Marco Aurélio de Mello, relator no Supremo Tribunal Federal (STF) da ação que pretende descriminalizar o aborto de fetos anencéfalos (sem cérebro), votou a favor da medida nesta quarta-feira (11) e afirmou que dogmas religiosos não podem guiar decisões estatais e que bebês com ausência parcial ou total de cérebro não têm vida.”
Vimos, ao revés de toda opinião pública do país, os ministros do STF declararem legítimo o aborto de anencéfalos. Um retrocesso no humanismo, segundo Reinaldo Azevedo. Mas isso não é tudo!
Não parece extremamente eivada de ideologismo o entendimento do STF? Sim, se levarmos em conta que a maior parte dos ministros do STF são oriundos das indicações do governo petista, que bem sabemos, militam sob o estandarte da morte e usam para isso o mote já velho, batido e discutido que em letras garrafais se apresenta: “o estado é laico”!
Um erro hediondo, já que o Estado, no entendimento do STF está produzindo um dogma: “Quando começa a vida”. Caberia ao estado o papel que quer desempenhar? Todas as vezes que o judiciário perde a noção de seu papel e decide “fazer as leis” perde também sua isonomia e seu objetivo.
O argumento dos religiosos não é religioso! É diminuir o argumento da dignidade humana reduzir o debate ao campo religioso quando na verdade trata-se de uma defesa expressa e clara da vida humana em qualquer de seus estados. No que toca o ser humano, o mais digno é que ele nasça, viva e morra naturalmente. O papel do Estado, em qualquer um de seus poderes, não é outro senão defender essa mesma vida. Isso reivindicamos e isso defendemos.
O entendimento do STF não corresponde à verdade e, exatamente por isso é um dogma contra o homem, já que nega a um feto (quer a um anencéfalo ou a qualquer outro) o direito a exercer o dom mais precioso e gratuito, isto é, a vida.
É uma falácia dizer que “Hoje é consensual no Brasil e no mundo que a morte se diagnostica pela morte cerebral. Quem não tem cérebro não tem vida”, como disse Marco Aurélio de Mello. Uma coisa é o cérebro que parou de funcionar deixando o corpo sem vida, outra é um corpo que, tendo uma vida, mesmo que vegetativa, tenha seu direito de existir negado. Não se pode colocar no mesmo patamar duas coisas, visto que uma coisa é a morte natural, outra é a interrupção de uma vida, mesmo que vegetativa. O erro lógico está na questão do princípio e do fim, não se pode julgar com os mesmos critérios o começo e o fim.
O argumento sobre o qual se apoiam alguns ministros para rechaçar o argumento ontológico dos religiosos se configura como discriminatório uma vez que não julga a matéria dos argumento, mas os que argumentam, como se a razão dos religiosos não fossem, pelo fato de partirem de religiosos, legítima.
Aqui o que está em questão é a dignidade da pessoa que, ao ser gerada, já tem seus direitos independente de suas condições físicas. Um ser humano é um ser humano a medida que é gerado assim. É simples de um gato não sai um ser humano, assim como de um ser humano não sai um não humano. Se é humano, tem direito à vida. Negá-la é retornar à barbárie.
Não se trata de um direito, o fato de decidir quem vive e quem morre!  Se há o mínimo de função vegetativa, já configura-se como vida humana, então por qual motivo negar esse direito. Veja que não se trata de um privilégio, mas de um DIREITO!
A pergunta a ser feita é fácil: aquele anencéfalo é um ser humano? Se dizer que não, o absurdo tomou conta da razão, mas se disser que sim, então por que negar a ele o direito a nascer?
Uns poderiam ainda argumentar o ponto de vista da mãe que não quer ou não tem “condições” de levar até o fim aquela gestação. Mas voltamos ao ponto inicial: é direito facultado a alguém negar um direito? A resposta é óbvia: NÃO!
Em fim, é de fato um retorno ao embotamento da razão chegar ao juízo que os ministros, viciados por ideologismos, chegaram. Paramos de novo diante do entrave da razão desligada da verdade que negou a milhares de judeus o direito à vida. A razão que deveria nos levar às luzes, nos colocou diante do mal no holocausto e, hoje, nos coloca diante do aborto.
O aborto é claramente a saída de volta para a negação da dignidade do ser humano: uma negação à VIDA!

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Verdades e Verdade



Alguns minutos na frente da TV, algumas folheadas nos jornais e entre uma música e outra no rádio, percebemos que estamos evoluindo em termos de marketing no mass mídia. Cada vez mais elaboradas, as propagandas convencem mais e mais consumidores, “convertendo-os” aos seus produtos, convencendo-os de suas verdades e encarcerando-os a idéias como: “obedeça a sua sede”, “você não pode viver sem ele” ou “fazemos tudo por você” entre outros chavões que se cristalizam em nossas mentes.
Contudo, a evolução do marketing significa, quase sempre, a involução do homem e seu senso de verdade. Muito embora haja aspectos muito positivos, existem também os negativos. Não queremos condenar o marketing, mas desejamos colocar um contraponto e traçar um panorama que evite a deturpação da verdade e favoreça uma cultura evangélica autêntica onde os reais valores de vida possam ser experimentados em sua profundidade. Uma cultura como a nossa precisa receber um grande choque para restabelecer no homem uma humanidade que caminhe para seu Destino.
Estas propagandas, que ocultam sob corpos bonitos e imagens bem produzidas nocivas idéias de “verdade”, vêm perpassando nossa geração e convencendo conscientes e inconscientes de uma perigosa realidade que vem degradando nossa humanidade. Se há tempos atrás a verdade era pautada na adequação do intelecto à coisa, e se dizer a verdade significava fazer encontrarem-se o ser e o pensamento numa perfeita harmonia no plano da realidade objetiva, hoje temos uma sutil mudança.
O que ocorre é que a verdade da coisa foi deslocada da realidade objetiva para o plano subjetivo. A verdade vem sendo arrastada do campo da objetividade para o obscuro subjetivismo e lá acorrentada, uma vez que as perspectivas sobre a vida vêm mudando de acordo com os novos focos de interesse, que voltam seus olhos invertidos para o ter em detrimento do ser, e conseqüentemente atraem a cobiça pelo lucro. Desta ótica a verdade passa a ser enclaustrada no que convém a cada um segundo a sua necessidade momentânea e particular. A verdade figura então como adequação do pensamento e da coisa ao interesse individual naquele restrito momento.
Essas idéias não nos chegam sem gerar uma conseqüência preocupante: a tendência individualista que rompe com a índole comunitária presente no próprio homem desde os primórdios, onde se associava e estabelecia o sentimento de solidariedade que deveria evoluir para um sentido de presença e acolhida do outro, mas que foi deturpado para uma tolerância do outro e que logo redundaria, com o auxilio da economia de mercado, no sentido de competição e superação do outro rompendo os laços de fraternidade na espécie humana, fazendo da vida uma competição insana e autodestrutiva, uma vez que destruir o outro significa destruir-se a si próprio.
O marketing segue o princípio da venda do produto, isto é, o modo de apresentação do produto deve convencer de que este é, não só o melhor, mas o necessário. Expressões como “agregar valores”, “valor de mercado”, “tática de convencimento” e “público alvo” já nos dão pistas de para onde caminha e o que está por traz de cada “inocente” reclame publicitário diariamente veiculado nas programações de entretenimento eivadas de sentido comercial.
Instalou-se uma cultura de compra e venda que faz a vida ser reduzida a um grande mercado que deseja o lucro. Assim, ficam enfraquecidos conceitos e experiências de gratuidade, de amizade e de solidariedade. O “uso” das coisas começa a migrar para o uso do outro. A visão do outro como alguém que nos proporciona algum tipo de “lucro” subverte a pureza das intenções e relações.
Como conseqüência, o ser humano desfragmenta-se, porque perde o senso de comunidade e comunhão, por tanto, limita seu existir, perde sua perspectiva de futuro ensimesmando-se ao hoje fugaz que lhe escapa por entre os dedos e não traz a satisfação desejada. Seu desejo de eternidade é frustrado e sua busca acaba redundando numa solidão em meio à multidão.
Diante desse panorama, surge uma capital pergunta inquietante: Como anunciar alguém que ensina a doar, a perder, a ser o ultimo, a viver segundo o espírito e que priorizam um depois?
Essa inquietante realidade tem sido causa de preocupações teológicas e pastorais. Muitas respostas vêm sendo propostas: uma libertação social do homem que reivindica seus direitos sociais para uma vida menos indigna; um virar-se única e exclusivamente para as realidades pseudo-sobrenaturais que pretendem o céu já aqui ou uma simbiose de religiões que dão, a principio, uma sensação de tranqüilidade espiritual, mas que, tão logo tal tranqüilidade desapareça, muda-se de religião em busca de “encontrar-se”.
Parece que estas respostas propostas ao longo do tempo são insatisfatórias, quer por não preencherem a ânsia de eternidade presente no homem, quer por serem mutiladas e descentralizadas. Todas elas se tocam num ponto: pretendem que já neste tempo haja uma societas perfectas, contudo o Reino de Deus não é deste mundo. Deste modo, apresentar planos que vigorem somente no plano cronológico não constitui resposta valida, uma vez que o próprio núcleo essencial do cristianismo prega uma comunhão que alcança o agora, mas que está para o além.

“Num sentido, nós vamos viajando, sempre viajando como sem saber aonde vamos. Noutro sentido já chegamos. Não podemos nesta vida chegar à perfeita posse de Deus: É por isso que estamos viajando e nas trevas. Já possuímos, porém, Deus pela graça. Nesse sentido então foi que chegamos e ora residimos na Luz...”
(Thomas Merton)

Perceber que o homem está “em via” é o primeiro passo para superar o problema, isso significa que ele está e não está completo; a sua luta cotidiana ocorre num espaço e num tempo: sua vida. Mas enquanto caminha, sabe que já possui em si qualquer coisa de mistério, qualquer coisa que o faz sentir desde já a realidade de uma promessa, e por isso se sabe completo, sente a perfeição em si, pois reconhece que existe nele uma dignidade ímpar.
Por outro lado, podemos perceber que estamos todos nos construindo e que o instrumento principal para a construção do homem é sua liberdade de agir desta ou daquela forma. O homem em via descobre que enquanto está nesta condição não há nada, absolutamente nada que o complete ou que o satisfaça. É incompleto enquanto é perfectível. Há com isso uma abertura para o transcendente e uma possibilidade de sair da crise da desfragmentação pela possibilidade da re-construção e superação de si mesmo.
Recolocar o homem como peregrino restaura o senso de Esperança, por que se caminha, caminha rumo a um destino. Assim podemos conceber a realidade da salvação, isto é, a participação na vida do próprio Deus. O homem, que por si só jamais poderia participar da eternidade Divina recebe, com a promessa e concretização da Aliança em Cristo, a Esperança de receber o inaudito. Assim eram os primeiros cristãos: tinham diante dos olhos a perda e o que esperavam era o INVISÍVEL. Disso nós devemos alimentar nossa fé: da esperança de receber aquilo que não se vê. Nisso vivemos o mistério!
Porém, para chegar a esse mistério, é necessário um caminho de vida: A VERDADE. Não uma verdade que muda ao sabor da moda ou algo que convenha a determinado momento, mas uma verdade essencial. Esse é um caminho de mística: crer que o invisível irá nos conduzir ao Eterno, crer que em meio às coisas que passam podemos tocar o que não passa.
O homem é criado para o alto e por isso nos revolvemos em busca do Eterno na verticalidade da verdade que se encontra e se toca no vértice da vida com a horizontalidade da humanidade. Essa verdade nos toca de forma arrebatadora quando nos permitimos ser atraídos por ela e ela mesma muda nossas vidas, não mais de acordo com uma mentalidade mercado, mas segundo a profundidade da essência do mistério da Vida.
Em fim, para superar a verdade de mercado, proporcionada pela mentalidade de marketing do mass mídia, que traz em si muitos danos morais ao homem, é necessário descobrir que neste peregrinar que chamamos de vida, estamos em busca de nosso fim último, o desejo de eternidade, e que para chegar a bom termo é necessário viver em busca daquilo que não se vê. Descobrir que nos agarramos ao que há de Bom e que tudo governa, como uma mão invisível que conduz a história rumo a um triunfo final onde a Verdade será Vivida plenamente na Eternidade. Nós, cristãos, caminhamos neste mundo como se víssemos o invisível.