Alguns minutos
na frente da TV, algumas folheadas nos jornais e entre uma música e outra no
rádio, percebemos que estamos evoluindo em termos de marketing no mass mídia. Cada vez mais elaboradas, as
propagandas convencem mais e mais consumidores, “convertendo-os” aos seus
produtos, convencendo-os de suas verdades e encarcerando-os a idéias como:
“obedeça a sua sede”, “você não pode viver sem ele” ou “fazemos tudo por você”
entre outros chavões que se cristalizam em nossas mentes.
Contudo, a
evolução do marketing significa, quase sempre, a involução do homem e seu senso
de verdade. Muito embora haja aspectos muito positivos, existem também os
negativos. Não queremos condenar o marketing, mas desejamos colocar um
contraponto e traçar um panorama que evite a deturpação da verdade e favoreça
uma cultura evangélica autêntica onde os reais valores de vida possam ser
experimentados em sua profundidade. Uma cultura como a nossa precisa receber um
grande choque para restabelecer no homem uma humanidade que caminhe para seu
Destino.
Estas
propagandas, que ocultam sob corpos bonitos e imagens bem produzidas nocivas
idéias de “verdade”, vêm perpassando nossa geração e convencendo conscientes e
inconscientes de uma perigosa realidade que vem degradando nossa humanidade. Se
há tempos atrás a verdade era pautada na adequação do intelecto à coisa, e se
dizer a verdade significava fazer encontrarem-se o ser e o pensamento numa
perfeita harmonia no plano da realidade objetiva, hoje temos uma sutil mudança.
O que ocorre é
que a verdade da coisa foi deslocada da realidade objetiva para o plano subjetivo.
A verdade vem sendo arrastada do campo da objetividade para o obscuro
subjetivismo e lá acorrentada, uma vez que as perspectivas sobre a vida vêm
mudando de acordo com os novos focos de interesse, que voltam seus olhos
invertidos para o ter em detrimento do ser, e conseqüentemente atraem a cobiça
pelo lucro. Desta ótica a verdade passa a ser enclaustrada no que convém a cada
um segundo a sua necessidade momentânea e particular. A verdade figura então
como adequação do pensamento e da coisa ao interesse individual naquele
restrito momento.
Essas idéias
não nos chegam sem gerar uma conseqüência preocupante: a tendência
individualista que rompe com a índole comunitária presente no próprio homem
desde os primórdios, onde se associava e estabelecia o sentimento de
solidariedade que deveria evoluir para um sentido de presença e acolhida do
outro, mas que foi deturpado para uma tolerância do outro e que logo
redundaria, com o auxilio da economia de mercado, no sentido de competição e superação
do outro rompendo os laços de fraternidade na espécie humana, fazendo da vida
uma competição insana e autodestrutiva, uma vez que destruir o outro significa
destruir-se a si próprio.
O marketing
segue o princípio da venda do produto, isto é, o modo de apresentação do
produto deve convencer de que este é, não só o melhor, mas o necessário.
Expressões como “agregar valores”, “valor de mercado”, “tática de
convencimento” e “público alvo” já nos dão pistas de para onde caminha e o que
está por traz de cada “inocente” reclame publicitário diariamente veiculado nas
programações de entretenimento eivadas de sentido comercial.
Instalou-se
uma cultura de compra e venda que faz a vida ser reduzida a um grande mercado
que deseja o lucro. Assim, ficam enfraquecidos conceitos e experiências de
gratuidade, de amizade e de solidariedade. O “uso” das coisas começa a migrar
para o uso do outro. A visão do outro como alguém que nos proporciona algum
tipo de “lucro” subverte a pureza das intenções e relações.
Como
conseqüência, o ser humano desfragmenta-se, porque perde o senso de comunidade
e comunhão, por tanto, limita seu existir, perde sua perspectiva de futuro ensimesmando-se
ao hoje fugaz que lhe escapa por entre os dedos e não traz a satisfação
desejada. Seu desejo de eternidade é frustrado e sua busca acaba redundando
numa solidão em meio à multidão.
Diante desse
panorama, surge uma capital pergunta inquietante: Como anunciar alguém que
ensina a doar, a perder, a ser o ultimo, a viver segundo o espírito e que
priorizam um depois?
Essa
inquietante realidade tem sido causa de preocupações teológicas e pastorais. Muitas
respostas vêm sendo propostas: uma libertação social do homem que reivindica
seus direitos sociais para uma vida menos indigna; um virar-se única e
exclusivamente para as realidades pseudo-sobrenaturais que pretendem o céu já
aqui ou uma simbiose de religiões que dão, a principio, uma sensação de
tranqüilidade espiritual, mas que, tão logo tal tranqüilidade desapareça,
muda-se de religião em busca de “encontrar-se”.
Parece que
estas respostas propostas ao longo do tempo são insatisfatórias, quer por não preencherem
a ânsia de eternidade presente no homem, quer por serem mutiladas e descentralizadas.
Todas elas se tocam num ponto: pretendem que já neste tempo haja uma societas perfectas, contudo o Reino de
Deus não é deste mundo. Deste modo, apresentar planos que vigorem somente no
plano cronológico não constitui resposta valida, uma vez que o próprio núcleo
essencial do cristianismo prega uma comunhão que alcança o agora, mas que está
para o além.
“Num sentido, nós vamos viajando, sempre viajando como sem saber aonde
vamos. Noutro sentido já chegamos. Não podemos nesta vida chegar à perfeita
posse de Deus: É por isso que estamos viajando e nas trevas. Já possuímos,
porém, Deus pela graça. Nesse sentido então foi que chegamos e ora residimos na
Luz...”
(Thomas Merton)
Perceber que o
homem está “em via” é o primeiro passo para superar o problema, isso significa
que ele está e não está completo; a sua luta cotidiana ocorre num espaço e num
tempo: sua vida. Mas enquanto caminha, sabe que já possui em si qualquer coisa
de mistério, qualquer coisa que o faz sentir desde já a realidade de uma
promessa, e por isso se sabe completo, sente a perfeição em si, pois reconhece
que existe nele uma dignidade ímpar.
Por outro
lado, podemos perceber que estamos todos nos construindo e que o instrumento
principal para a construção do homem é sua liberdade de agir desta ou daquela
forma. O homem em via descobre que enquanto está nesta condição não há nada,
absolutamente nada que o complete ou que o satisfaça. É incompleto enquanto é
perfectível. Há com isso uma abertura para o transcendente e uma possibilidade
de sair da crise da desfragmentação pela possibilidade da re-construção e
superação de si mesmo.
Recolocar o
homem como peregrino restaura o senso de Esperança, por que se caminha, caminha
rumo a um destino. Assim podemos conceber a realidade da salvação, isto é, a
participação na vida do próprio Deus. O homem, que por si só jamais poderia
participar da eternidade Divina recebe, com a promessa e concretização da
Aliança em Cristo, a Esperança de receber o inaudito. Assim eram os primeiros
cristãos: tinham diante dos olhos a perda e o que esperavam era o INVISÍVEL.
Disso nós devemos alimentar nossa fé: da esperança de receber aquilo que não se
vê. Nisso vivemos o mistério!
Porém, para
chegar a esse mistério, é necessário um caminho de vida: A VERDADE. Não uma
verdade que muda ao sabor da moda ou algo que convenha a determinado momento,
mas uma verdade essencial. Esse é um caminho de mística: crer que o invisível
irá nos conduzir ao Eterno, crer que em meio às coisas que passam podemos tocar
o que não passa.
O homem é
criado para o alto e por isso nos revolvemos em busca do Eterno na
verticalidade da verdade que se encontra e se toca no vértice da vida com a
horizontalidade da humanidade. Essa verdade nos toca de forma arrebatadora
quando nos permitimos ser atraídos por ela e ela mesma muda nossas vidas, não
mais de acordo com uma mentalidade mercado, mas segundo a profundidade da
essência do mistério da Vida.
Em fim, para
superar a verdade de mercado, proporcionada pela mentalidade de marketing do mass mídia, que traz em si muitos danos
morais ao homem, é necessário descobrir que neste peregrinar que chamamos de
vida, estamos em busca de nosso fim último, o desejo de eternidade, e que para
chegar a bom termo é necessário viver em busca daquilo que não se vê. Descobrir
que nos agarramos ao que há de Bom e que tudo governa, como uma mão invisível
que conduz a história rumo a um triunfo final onde a Verdade será Vivida
plenamente na Eternidade. Nós, cristãos, caminhamos neste mundo como se
víssemos o invisível.